Publicado em:

A responsabilidade dos hospitais no descredenciamento de especialidades médicas tem sido um tema de crescente relevância no Direito da Saúde. Nos casos em que o paciente busca atendimento médico em hospitais que integram a rede credenciada de planos de saúde, é necessário analisar a cadeia de consumo formada entre o paciente, o hospital e o plano de saúde. Tanto os planos quanto os hospitais estão sujeitos à responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que determina que o fornecedor de serviços deve reparar os danos causados ao consumidor, independentemente de culpa, conforme o art. 14 do CDC.
Assim, tanto o hospital quanto o plano de saúde integram a cadeia de fornecimento de serviços médicos, assumindo, de maneira solidária, a responsabilidade por qualquer defeito na prestação desses serviços. O hospital, ao compor a rede credenciada, desempenha papel essencial na viabilização do atendimento médico, tornando-se um elo indispensável na relação entre o paciente e o plano de saúde. Essa posição de intermediário impõe ao hospital a obrigação de prestar os serviços médicos contratados e garantir que os pacientes tenham pleno acesso ao tratamento necessário.
Nesse contexto, é importante destacar que, caso o site do plano de saúde informe a cobertura de determinado hospital, sem ressalvas, cria-se, pela teoria da aparência, uma expectativa legítima no consumidor de que todas as especialidades oferecidas por aquele hospital também estão cobertas. O consumidor, agindo de boa-fé, confia na informação fornecida e considera que qualquer tratamento necessário será abrangido pela rede credenciada. Portanto, a exclusão de uma especialidade específica, como a cirurgia bucomaxilofacial, sem aviso prévio ou ressalva no momento da contratação, constitui prática abusiva, uma vez que o consumidor não é informado de maneira clara sobre as limitações dessa cobertura.
Ainda que o hospital alegue o descredenciamento de determinada especialidade, essa informação deve ser transmitida de maneira transparente ao consumidor, tanto pelo hospital quanto pelo plano de saúde, de acordo com o art. 6º, III, do CDC, que assegura o direito à informação adequada. Se essa comunicação não for feita de forma clara e prévia, configura-se um vício na prestação do serviço. A falta de aviso prévio, seja por parte do hospital ou do plano de saúde, não só viola os direitos do consumidor, mas também infringe a Lei 9.656/98, que exige que qualquer alteração na rede credenciada seja comunicada antecipadamente e com a indicação de alternativas equivalentes.
Além disso, a exclusão unilateral de uma especialidade sem a anuência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e sem comunicação prévia ao paciente configura prática abusiva, conforme previsto na Súmula Normativa nº 11 e na Resolução Normativa nº 262 da ANS. Essa prática não pode ser justificada pela simples alegação de descredenciamento. De acordo com a legislação vigente, os planos de saúde são obrigados a cobrir tratamentos e cirurgias que estejam diretamente vinculados à saúde do paciente, como as cirurgias bucomaxilofaciais, e qualquer negativa de cobertura nesse sentido viola o direito fundamental à saúde.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforça essa compreensão. No julgamento do REsp 1.561.445, o STJ pacificou o entendimento de que tanto os planos de saúde quanto os hospitais credenciados são solidariamente responsáveis pelos danos causados ao consumidor em casos de descredenciamento sem comunicação adequada. A responsabilidade solidária visa proteger o consumidor, garantindo que o paciente não seja prejudicado pela falha na prestação de serviços essenciais à sua saúde. No caso de negativa de cobertura ou atendimento, o hospital e o plano de saúde são corresponsáveis pelos danos causados, incluindo os danos morais.
Dessa forma, fica evidente que o descredenciamento de especialidades sem a devida comunicação e sem a indicação de alternativas viola os direitos do paciente e configura prática abusiva. O paciente, ao confiar nas informações disponíveis no site do plano de saúde e no hospital, cria uma expectativa legítima de que todos os serviços estarão disponíveis. Portanto, a negativa de cobertura, com base em um descredenciamento não informado, afronta diretamente os princípios de transparência e boa-fé objetiva previstos no Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, conclui-se que a responsabilidade objetiva solidária dos hospitais e dos planos de saúde em casos de descredenciamento abusivo deve ser reconhecida, de modo a garantir a proteção dos direitos dos consumidores e a efetividade dos serviços de saúde. Tanto o plano de saúde quanto o hospital devem responder pelos danos causados ao paciente, sendo devida a reparação pelos danos morais e o imediato cumprimento das obrigações contratuais, como o fornecimento do tratamento necessário.
Carolina Carvalho
OAB/RJ 262.403