Publicado em:
02/09/2024

Nos últimos anos, um problema recorrente tem sido observado no sistema de saúde suplementar: o descredenciamento seletivo de cirurgias ortognáticas, realizadas por cirurgiões bucomaxilofaciais, pelos planos de saúde. Muitos pacientes têm enfrentado dificuldades para realizar esses procedimentos essenciais devido à recusa de cobertura por parte dos seus planos, disfarçada como descredenciamento de determinados serviços. Além disso, surge uma questão importante relacionada à responsabilidade dos hospitais nesse processo, que merece ser analisada.
Entendendo o Problema
Os planos de saúde, de maneira geral, têm a obrigação de fornecer cobertura integral para os procedimentos previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Entre esses procedimentos estão as cirurgias ortognáticas, que são cirurgias corretivas de deformidades faciais, essenciais para a saúde e bem-estar do paciente.
No entanto, o que vem ocorrendo é que alguns planos de saúde, embora não descredenciem o hospital ou o estabelecimento como um todo, passam a recusar a cobertura específica para as cirurgias bucomaxilofaciais. Essa prática é prejudicial ao paciente e ilegal, pois não está em conformidade com a Lei 9656/98, que regula os planos de saúde no Brasil, nem com as resoluções da ANS.
A Responsabilidade dos Hospitais
Outro ponto crucial nessa discussão é o papel dos hospitais no processo de descredenciamento. Quando o paciente necessita de uma cirurgia ortognática, o pedido de autorização é normalmente feito pelo hospital onde o procedimento será realizado, e não diretamente pelo paciente ao plano de saúde. Aqui reside um grande obstáculo: ao ser informado pelo hospital de que determinado procedimento não está mais credenciado, o paciente fica impossibilitado de enviar o pedido diretamente ao plano, uma vez que não tem acesso ao sistema interno de comunicação entre as instituições.
Este cenário cria uma situação em que o paciente se vê de mãos atadas, sem meios para solicitar a cobertura diretamente ao plano de saúde, o que agrava ainda mais a violação dos seus direitos.
A Responsabilidade Solidária e a Teoria da Aparência
Diante dessa situação, é possível e recomendável que o paciente, ao ajuizar uma ação judicial, busque responsabilizar não apenas o plano de saúde, mas também o hospital que comunicou o descredenciamento. Essa responsabilização conjunta se baseia na teoria da aparência, amplamente reconhecida no direito brasileiro, que protege o consumidor quando este é levado a acreditar que determinada situação é verdadeira com base nas informações fornecidas por uma das partes.
Na prática, muitos hospitais ainda constam nos sites dos planos de saúde como integrantes da rede credenciada, o que induz o paciente a acreditar que poderá realizar o procedimento sem problemas. Quando o hospital informa o descredenciamento seletivo, após o paciente já ter confiado na rede credenciada, configura-se uma violação do direito à informação e à transparência, direitos básicos do consumidor.
Assim, tanto o hospital quanto o plano de saúde podem ser considerados solidariamente responsáveis por eventuais danos causados ao paciente, que confiou na informação disponível e foi surpreendido pela negativa de cobertura. A responsabilidade solidária significa que ambos podem ser acionados judicialmente para garantir o cumprimento da obrigação, ou seja, a realização da cirurgia ortognática.
O Que Fazer em Caso de Descredenciamento
Se você, como paciente, se deparar com a recusa do plano de saúde em cobrir uma cirurgia ortognática sob o pretexto de descredenciamento, saiba que você tem o direito de contestar essa decisão. Aqui estão algumas medidas que podem ser tomadas:
1. Solicite uma justificativa por escrito: Peça ao hospital e ao plano de saúde que informem, por escrito, os motivos do descredenciamento. Essa comunicação deve estar de acordo com as normas da ANS e ser clara quanto às razões da recusa. Em caso de negativa, envie uma notificação extrajudicial ao plano de saúde, cobrando explicações.
2. Procure orientação jurídica: Um advogado especializado em direito da saúde poderá orientá-lo sobre como proceder, inclusive auxiliando na abertura de uma reclamação junto à ANS e, se necessário, no ajuizamento de uma ação judicial que envolva tanto o plano quanto o hospital.
3. Denuncie à ANS: A Agência Nacional de Saúde Suplementar é responsável por fiscalizar os planos de saúde e garantir que eles cumpram a legislação. Você pode registrar uma denúncia diretamente no site da ANS ou através da central de atendimento. Busque por NIP – Notificação de Intermediação Preliminar.
4. Considere uma ação judicial: Em muitos casos, a via judicial é necessária para garantir o seu direito. A Justiça tem reiteradamente decidido em favor dos pacientes, obrigando os planos de saúde a custearem as cirurgias bucomaxilofaciais, mesmo diante de descredenciamentos ilegais, e tambémresponsabilizando os hospitais por não cumprirem com a expectativa legítima gerada no consumidor.
Conclusão
O descredenciamento seletivo de cirurgias ortognáticas é uma prática abusiva e ilegal, que viola os direitos dos pacientes assegurados pela legislação brasileira. Além disso, tanto os planos de saúde quanto os hospitais envolvidos podem ser responsabilizados por eventuais danos causados ao paciente, sob a ótica da responsabilidade solidária e da teoria da aparência. É fundamental que os pacientes estejam cientes de seus direitos e saibam que existem meios legais para contestar essa prática. Não hesite em buscar apoio jurídico caso enfrente esse tipo de situação, pois a lei está ao seu lado para garantir o acesso ao tratamento necessário.