Publicado em:
04/03/2024

A prática do empacotamento, amplamente utilizada pelos planos de saúde, tem se tornado um desafio constante para os cirurgiões-dentistas e para as empresas que fornecem órteses, próteses e materiais especiais (OPME). Essa prática envolve a criação de "pacotes" de procedimentos e materiais com valores pré-determinados, limitando a escolha dos profissionais de saúde e comprometendo a qualidade dos materiais utilizados nas cirurgias.
Neste artigo, analisaremos como o empacotamento afeta a autonomia dos profissionais, a qualidade dos tratamentos oferecidos aos pacientes, e sugeriremos soluções jurídicas para combater essa prática prejudicial.
1. O Que é o Empacotamento e Como Ele Funciona
O empacotamento é uma estratégia adotada por planos de saúde para reduzir custos, agrupando procedimentos cirúrgicos e materiais em pacotes com valores fixos. Nesse modelo, os planos estabelecem previamente quais materiais e técnicas serão utilizados, independentemente das necessidades específicas de cada paciente ou da recomendação do cirurgião-dentista.
Essa prática impõe restrições significativas ao profissional de saúde, que se vê obrigado a utilizar materiais incluídos no pacote, muitas vezes de qualidade inferior, ou a realizar procedimentos que não são os mais indicados para o caso. Como resultado, a excelência do atendimento e a segurança do paciente são comprometidas, gerando riscos desnecessários e, em alguns casos, levando a complicações cirúrgicas.
2. Consequências para os Cirurgiões-Dentistas e Pacientes
O empacotamento limita diretamente a autonomia dos cirurgiões-dentistas, que perdem a liberdade de escolher os materiais mais adequados para cada procedimento. Essa limitação é particularmente preocupante em cirurgias complexas, como as cirurgias ortognáticas por exemplo, onde a qualidade dos materiais de OPME é crucial para o sucesso do tratamento e a recuperação do paciente, especialmente quando a cirurgia é previamente programada em softwares que levam em consideração OPME específicos, de determinadas marcas.
Além disso, o uso de materiais de qualidade inferior, impostos pelo empacotamento, pode acarretar problemas pós-operatórios, maior taxa de insucesso nos tratamentos e a necessidade de novas intervenções cirúrgicas. O impacto negativo recai diretamente sobre os pacientes, que muitas vezes não têm conhecimento das limitações impostas pelos planos de saúde e confiam plenamente nas decisões do profissional de saúde.
3. Análise Jurídica do Empacotamento
Do ponto de vista jurídico, o empacotamento pode ser questionado com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que protege os direitos à saúde e à segurança dos consumidores, incluindo os pacientes de planos de saúde. O artigo 51 do CDC considera nulas as cláusulas contratuais que colocam o consumidor em desvantagem exagerada ou que restringem direitos fundamentais, como o acesso a tratamentos adequados.
Adicionalmente, a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998) exige que os planos de saúde garantam cobertura para todos os procedimentos previstos no rol da ANS, sem discriminar materiais ou técnicas. Portanto, a prática do empacotamento pode ser considerada abusiva, pois impõe barreiras à utilização de materiais mais avançados ou de melhor qualidade, indo contra o princípio da melhor assistência ao paciente.
Há jurisprudência favorável no sentido de que os planos de saúde não podem limitar a escolha dos materiais de OPME indicados pelos profissionais de saúde. Em diversas decisões, os tribunais têm reconhecido o direito dos cirurgiões-dentistas e médicos de escolherem os materiais que consideram mais adequados, independentemente do custo, quando justificável clinicamente.
4. Soluções Jurídicas para Combater o Empacotamento
Para enfrentar a prática do empacotamento, é necessário adotar uma abordagem jurídica que proteja tanto os profissionais de saúde quanto os pacientes. Uma das principais soluções é a propositura de ações coletivas e individuais contra os planos de saúde, visando questionar a validade do empacotamento e exigir a garantia da autonomia profissional na escolha dos materiais e procedimentos.
Outra estratégia eficaz é a advocacia junto aos órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), para pressionar por mudanças nas regulamentações que permitem o empacotamento. A atuação conjunta de associações profissionais e de empresas fornecedoras de OPME pode fortalecer essa pressão, demonstrando os impactos negativos dessa prática sobre a saúde dos pacientes.
Há, ainda, a possibilidade de questionamento dessa prática junto aos Conselhos de Odontologia e Medicina, uma vez que as operadoras de planos de saúde precisam necessariamente das inscrições nestes órgãos para poderem obter autorização de funcionamento junto à ANS. Assim, compete a estes conselhos a fiscalização das práticas adotadas pelos planos de saúde, suspendendo a inscrição quando houver interferência abusiva na autonomia dos médicos e cirurgiões dentistas.
Por fim, sempre caberá a via do Judiciário para o paciente (consumidor) impedir essa prática abusiva, obrigando às operadoras de planos de saúde a custearem o seu tratamento e/ou cirurgia com todos os materiais cirúrgicos prescritos pelos seus médicos ou cirurgiões-dentistas.
Conclusão
O empacotamento, embora destinado a reduzir custos, representa uma séria ameaça à qualidade do atendimento cirúrgico e à segurança dos pacientes. Ao limitar a autonomia dos cirurgiões-dentistas e impor materiais de qualidade inferior, essa prática compromete o sucesso dos tratamentos e gera riscos desnecessários.
É essencial que medidas jurídicas sejam adotadas para combater o empacotamento, protegendo os direitos dos profissionais de saúde e garantindo que os pacientes recebam o melhor tratamento possível. Através de ações judiciais e advocacia na árearegulatória, é possível reverter essa prática prejudicial e assegurar um sistema de saúde mais justo e eficiente.